28 de maio de 2006

Encontro comigo mesmo...

No dia 20 de maio, de um ano que não me lembro, encontrei-me comigo mesmo.
Diferente de outras experiências semelhantes, não foi necessário o uso de forças sobrenaturais, alienígenas, espelhos, ou mesmo magia (apesar de quê havia uma certa "força mágica" ao nosso redor).
O encontro se deu de forma muito simples: descobri-me e me convidei. Pronto!
Nada de viagens transcendentais ou uma preparação prévia (apesar de eu esperar por isto há 33 anos). Meu outro "eu" (que, a partir de agora, vou chamar de "outro" mesmo) apareceu muito bem vestido, e posso até dizer que estava um charme (narcisismo, reconheço, mas não pude evitar).
A princípio, quando tivemos nossos primeiros contatos, acreditei que eu não iria, ou melhor, que o outro não iria, mas, de última hora, ele apareceu. Após os cumprimentos de praxe, fomos assistir a um filme.
Era um filme de comédia, muito engraçado, diga-se de passagem, e ali fiz minha primeira descoberta: tenho uma risada espontânea e divertida, que me fez até rir de mim mesmo. Ao longo de toda vida, fiquei preocupado em estar sendo escandaloso ou inconveniente, mas descobri que várias pessoas riem e gargalham assim também. Creio que fiz, ali, uma grande descoberta, como uma criança que descobre que o Sol é bem diferente da Lua, e que ambos não são planetas.
Saímos e decidimos comer alguma coisa. Afinal de contas, eu me conheço: qualquer programa, para receber um título de "bom", precisa ter comida no meio.
Após passarmos por 3 bons restaurantes fechados, enfim encontramos um lugar agradável para parar e comer (que havia sido o primeiro pelo qual passamos quando chegamos ao bairro).
No caminho comentamos sobre o filme, rimos um monte, ouvimos músicas agradáveis, e também descobri que meu outro era extremamente eclético (assim como eu).
Havia um brilho no olhar dele. Algo diferente. E assim, acabei ficando encantando com meu próprio olhar, que estava refletido em meus olhos, no outro. Comentei isto, e rimos bastante. O outro, como não podia deixar de ser, reconhecia que tinha lindos olhos, mas não gostava de suas próprias mãos. "Mas eu acho as minhas mãos lindas" - eu disse. Ele então comentou: "Acho que as partes do corpo que gostamos são diferentes também". Concordamos, e decidimos que todo o corpo estava muito bom. Claro que precisava de uma "lanternagem", mas nada que algumas horas de esteira, e uma gramas a menos no prato, não corrigiriam. Estas diferenças nos deixaram curiosos também, pois o contraste físico logicamente, era muito óbvio. Nossas peles eram diferentes, assim como nossos cabelos e olhos. Somente nossos traços eram absolutamente idênticos.

Ao sentarmos e pedirmos uma bela pizza (qual melhor opção para uma noite fria?), começamos a conversar. Meu outro falava de seus feitos: trabalhava no comércio, adorava o que fazia, sabia cozinhar (salgados e doces), dançava bem, nadava como um peixe, tinha um carro e dirigia há muito tempo, etc. Neste momento me senti estranho: eu não sabia fazer nada disso. Fiquei pensando, enquanto o outro falava, em como será que eu podia fazer tantas coisas, sendo que eu não tinha habilidade para nada daquilo: sempre fui péssimo em vendas (apesar de gostar de lidar com pessoas); não sei cozinhar (fritar ovo, e passar um café, talvez); não sei dançar (um forró com passinho "dois-pra-lá-dois-pra-cá" e nada mais); sei nadar "tijolinho" (pulo e vou pro fundo imediatamente); não tenho carro, e não sei dirigir (apesar da vontade). Só uma coisa havia em comum: gosto muito do que faço.

Ficamos intrigados com essas diferenças. Agora, além de percebermos nosso próprio corpo de forma diferente, nossas habilidades também se diferenciavam. Após uma pausa, começamos a comer. Prometi a mim mesmo que não iria embora sem deixar de comentar este fato (o "a mim mesmo", neste caso, era "eu" mesmo, e não o "outro" eu).

A noite estava maravilhosa. O local não tinha telhado, e ficamos observando as estrelas. Lembrei de como eu ficava observando o céu, quando era pequeno. Quando fiz 7 anos, achei um atlas jogado no lixo da vizinha e, a partir deste dia, passei a observar as constelações, sendo que a primeira que aprendi a localizar foi o Cruzeiro do Sul. Esta constelação sempre foi, e ainda é, importante para mim por vários motivos: primeiro, por estar na bandeira brasileira; segundo, por ser o símbolo do meu time, e por último, por me servir de guia quando estou em um lugar que desconheço, pois a constelação indica sul geográfico. Conversamos sobre vários aspectos desta constelação, e o outro sabia muito de astronomia. Ele me disse que, ao leste do Cruzeiro do Sul, existem duas estrelas de grande brilho: Rigil Kentaurus e Hadar Kentaurus, que também são chamadas de Alfa Centauri e Beta Centauri. Estas estrelas são chamadas de "Guardiães do Cruzeiro". A Alfa Centauri está mais próxima de nós, sua luz leva 4 anos pra chegar até aqui. A Alfa Centauri é, na verdade, um sistema triplo, ou seja, ela possui 3 estrelas unidas, brilhando como se fosse uma só.
Lembrei da Relatividade de Einstein neste momento, não sei por qual motivo.
Além disto, falamos de filmes, peças de teatro, livros, músicas e muitas outras coisas. Ele me recomendou algumas coisas que conhecia, eu recomendei outras pra ele, e assim nossa conversa continuou. Filosofamos e viajamos, como se estivéssemos andando dentro de uma Biblioteca de Babel.
Confesso que eu estava encantado comigo mesmo. Cheguei ao ponto de deixar escapar um carinho, que foi retribuído. Não consegui ter aversão de mim mesmo.
Eu estava me apaixonando por mim.
Ele me contou muito de sua vida. De como seu casamento não havia dado certo. De seu atual relacionamento, que era mais um (re)relacionamento, pois era uma volta. Falou de sua timidez e de seus medos. Éramos realmente muito parecidos (dava medo). Ele gostava de gatos, pudim de leite e frutas (maçã, principalmente). Também gostava de dormir, ouvir o som da chuva, falar sozinho e desenhar coisas estranhas enquanto falava ao telefone. Falamos de nossos pais, dos problemas de infância, das neuras, das perversões, das decepções, de tudo. Da importância do nosso pai, ou da ausência dele. Do carinho de mãe, e de suas correções. Fizemos planos de viagens. Escolhemos filmes e peças para assistir. Lembramos de histórias em quadrinhos, contamos histórias que não conhecíamos, um pro outro , de personagens que gostamos ou que inventamos. Percebemos que ter um tigre de pelúcia e agir como criança, de vez em quando, não faz mal a ninguém. Nossa vida era, absolutamente, uma constante diversão.
Pagamos a conta, e saímos.
Decidimos ouvir música e continuar conversando. A música era (e é) algo muito importante para nós, e percebemos que, apesar de não sermos músicos, podemos tocar as coisas e pessoas como tocamos um instrumento (um piano, por exemplo), e fazer disto uma experiência incrível. Nossas mãos passam o que vai em nossa essência, e assim nossos sentimentos e sensações vão através do toque. Concordamos, inclusive, que o aperto de mão fala muito de alguém. Não apenas do que a pessoa é, mas do que ela "foi", e do que ela "será" para nós. O toque traz o passado, e indica o futuro de nossa relação com alguém. É algo atemporal.
Havia muito o que falar, porém o dia nascia.
Já eram 5 da manhã, e ele resolveu ir embora.
Ficou combinado o reencontro. Eu já pensava em apresentá-lo para os amigos. Uma sensação de amor fraterno me invadia e, ao observar o Sol e a Lua juntos, cheguei à conclusão que eu havia encontrado o irmão que não tive, para compartilhar idéias e nos divertirmos juntos.
Ele me deixou em casa, e disse que ficaríamos uns dias sem nos encontramos, pois ele precisava trabalhar longe.
Disse para ele que seu lugar, agora, era aqui. Mas ele disse que mandaria notícias, em breve.

Não tenho notícias dele há um bom tempo.

Penso neste fato desde que acordo até quando vou dormir. Fico pensando em onde estará, e quando vou encontrá-lo novamente. Às vezes penso que está no Chile, caminhando pelo deserto. Outras, penso que está em um mosteiro Zen da China, orando e se energizando para nosso novo encontro. Talvez em São Paulo, trabalhando, tentando esquecer a loucura que foi tudo isto. Ou talvez em algum bairro da minha cidade, ou algum bar que não frequento muito, dançando e se divertindo. Quem sabe seu relacionamento deu certo, e o tempo ficou curto. Não sei.

Só sei que gostaria de me reencontrar.

Muitas perguntas permaneceram: Por que apareci, assim, de repente? Tudo isto não teria passado de sonho? Devaneio ou simplesmente "surto"? Não seria outra pessoa fingindo ser eu? Hipótese esta que descartei logo, pois conferi nossas digitais e eram idênticas!

Agora há pouco, antes de te escrever, recebi um recado dele. Disse que não estava no Brasil. Na verdade, não estava neste mundo. Sem saber como, ele acordou em outro lugar: um mundo diferente, porém idêntico à nossa terra. Era a nossa terra, sim, mas em outra época. Ele me disse que havia encontrado um outro "eu", desta vez mais forte e alegre. Disse que este outro era muito mais engraçado que nós dois juntos. Ele trabalhava como instrutor em uma academia, tinha 3 filhos, tocava violão e piano, e compunha nas horas vagas. Era um "eu" musical.

Lágrimas escorreram por minha face, não pude evitar. Creio que foi uma sensação parecida com descobrir que tenho um filho, que nunca havia conhecido. Havia uma parte de mim em algum lugar. Ou talvez todo meu ser estava em outro tempo, em outro lugar. Fiquei pensando em como seria este lugar, as pessoas que eu conheceria, os filhos que eu tive, as músicas que eu compunha.

Hoje, a busca por mim mesmo continua. Muitas vezes me vejo em um sorriso singelo. Outras, no charme de declarações metafóricas. Algumas vezes sinto falta de algo mais antigo, mais profundo. Sei que minha busca é sem-fim. Rencontrar-me pode levar dias, anos, talvez toda a vida. Deste encontro que tive, guardo a maior lição: tudo que sei e tudo que sou se dá por partes, e meu complemento se dará como um mosaico, onde dia-a-dia vou aprendendo na busca pelos meus outros "eus", e aprenderei mais ainda esbarrando nos "eus" de outras pessoas.

Percebo que, principalmente em contato com outras pessoas, descubro algo de mim, renovado, com outras cores e sabores. As pessoas que estão à minha volta, quando olho fixamente, podem, refletem parte de mim mesmo e, por isso, devo sempre tentar falar e ouvir, tocar e sentir como se estivesse vendo minha própria imagem e semelhança.

Nenhum comentário: