6 de março de 2007

Crônica de domingo

E lá ia eu, já havia algum tempo, correndo ofegante pela orla da Lagoa da Pampulha. Já havia dado uma corridinha sem-vergonha, em velocidade mediana, só pra suar e aquecer o corpo. Eu já tava morto, mas mantinha a pose: cabeça erguida, braços colados no corpo e passadas curtas.
Pura picaretagem. Minhas pernas doíam, e meu coração já estava com o medidor de conta-giro quase no máximo.

Quando, de repente, passa por mim um velhinho. Magro, shortinho e camiseta típicos de domingo. Lá ia ele, no auge de seus sessenta-e-Matusalém anos, calmo, sereno, e mais rápido que eu.

Claro que eu aumentei o ritmo e passei o ancião.

"Pô! Ser ultrapassado por este tio já é sacanagem, né?" - pensei.

Assim mantive o ritmo, e fiquei por alguns minutos curtindo a paisagem da lagoa, ou seja, as mulheres que passavam por mim.

As pernas pediram "altas", e precisei diminuir o ritmo. Mantendo a postura de corredor, lá ia eu a 2 km por hora. Na verdade, se eu estivesse caminhando estaria mais rápido.

Mas tem certas situações que o macho-caçador precisa manter a pose. Os músculos das pernas já estavam bambeando, mas vamos lá. Muita raça e muita luta.

Ouvi uns passinhos leves e compassados vindo por trás. Quando me virei, ele já estava me ultrapassando.

Lá ia o velhinho.

"Pôrra!" - deixei escapar entre os dentes.

Neste susto, quase parei. Confesso que um abatimento profundo tomou conta de mim (tecnicamente falando, foi uma "broxada").

O indivíduo já estava a uns 30 metros de distância, quando eu decidi retomar a competição (que só acontecia na minha cabeça, claro). Após breve diálogo com todos os músculos, prometi consumir mais carne no próximo rodízio, e fechei um acordo em que daria mais um "sprint" pra alcançar e ultrapassar o velhinho, antes que chegasse à marca que eu havia determinado pra mim como fim de corrida.

Como um corredor de Olimpíadas, dei uma carreira de mais ou menos 50 metros, e continuei andando. Ofegante. Quase morto. Sorriso nos lábios e suor escorrendo feito tampa de chaleira. "Andando" na verdade é um exagero, pois eu me "arrastava" pela orla, pra chegar até a marca.
Uma menina olhou pra mãe e perguntou "Será que ele tá passando mal, mamãe?", ao que a mãe fez um sinal negativo com a cabeça e continuou andando.

"Pronto! Dever cumprido!" - lá ia eu pensando, a mais ou menos 30 metros do meu destino.

Uns passos mais rápidos me fizeram tremer.

O velhinho, agora correndo, me ultrapassou sorrindo e ainda disse "Oh! Quem chegar por último na Igrejinha paga a cerveja!".

É a última coisa que me lembro.

Os enfermeiros me disseram que foi infarto do miocárdio, e que eu estou aqui há 3 dias, mas foi sorte minha a ambulância ter chegado logo.

"Ainda bem que o doutor Borges tava perto de você né?" - me disse uma enfermeira.

"E quem é esse Borges?" - murmurei.

"Foi o senhor que te socorreu. Ele disse que você desmaiou, e precisou te fazer uma massagem cardíaca pra você recuperar as forças." - outro enfermeiro contou.

Achei tudo isto muito alegórico. Eu estava correndo para alcançar e ultrapassar Borges, e meu coração parou. Daí, o próprio Borges me socorreu. Agora não sei ao certo se sou eu, neste, uma pessoa atormentada pelo meu ego frustrado, ou apenas um personagem estereotipado de um conto inacabado.

Me sinto um texto. E só.

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